Preliminarmente, alerta o Professor Saint Clair que existe uma larga diferença entre assistência jurídica e assistência judiciária. Note-se que a gratuidade da justiça tratada na seção do Código de Processo Civil, entre os artigos 98 a 102 é consequência do estabelecido na CF (art. 5º, inciso LXXIV), sendo que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. De palmar evidência que a norma constitucional é bem mais ampla, uma vez que determina a prestação de assistência jurídica, ou seja, para todas as hipóteses em que se torne necessária, ou até mesmo recomendável, a presença de advogado, deve o Estado fornecê-la, incluindo-se aí a consultoria.
O Código de Processo Civil estabelece tão só uma das hipóteses de assistência jurídica, qual seja a assistência judiciária. Assim sendo, toda e qualquer norma que se possa extrair dos dispositivos constantes da presente seção deve estar em consonância com a garantia constitucional insculpida no mencionado art. 5º.
A Gratuidade de Justiça é constitucionalmente assegurada (art. 5º, LXXIV) “aos que comprovarem insuficiência de recursos”, e ainda regulada, em suas linhas gerais, pela Lei nº 1.060/1950, contudo, o art. 1.072, inciso III, do CPC derrogou esta lei, passando então a ser o próprio CPC responsável por tratar do tema. A gratuidade de justiça (ou benefício de justiça gratuita) é uma garantia que, por força de disposição infraconstitucional tem sido tradicionalmente ampliada no Direito brasileiro., porquanto ela de fato existe!
Diz-se ampliada a garantia por uma razão: não obstante o texto constitucional afirme que a assistência jurídica integral e gratuita (que inclui, evidentemente, a gratuidade no acesso ao Judiciário, embora não a esgote) seja assegurada a quem comprovar insuficiência de recursos, as pessoas naturais a ela fazem jus independentemente de produção de qualquer prova. Assim já era ao tempo da vigência do art. 4º da Lei nº 1.060/1950 (agora expressamente revogado), e assim é por força do art. 99, § 3º, cujo texto estabelece que se presume:
“verdadeira a alegação de insuficiência [de recursos] deduzida exclusivamente por pessoa natural”.
Trata-se, evidentemente, de uma presunção relativa, iuris tantum, que pode ser afastada por prova em contrário (mas é importante notar o seguinte: ao juiz não é dado determinar à pessoa natural que produza prova que confirme a presunção, determinação esta que contrariaria o disposto no art. 374, IV).
Admite-se, apenas, que a parte contrária produza prova capaz de afastar a presunção relativa, o que dependerá do oferecimento de impugnação à gratuidade de justiça. A presunção, porém, só beneficia pessoas naturais. As pessoas jurídicas e os entes formais, como os condomínios, têm o ônus de provar que não têm condições de arcar com o custo econômico do processo para que o benefício lhes seja deferido.
A gratuidade de justiça compreende, na forma do disposto no art. 98, § 1º, as taxas ou custas judiciais; os selos postais; as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; as despesas com a realização de exame de código genético (DNA, na sigla em inglês que se tornou de uso tradicional no Brasil não obstante a existência da sigla ADN, adequada para designar em português o ácido desoxirribonucleico) e de outros examesconsiderados essenciais; os honorários do advogado e do perito, e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, propositura de demandas e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; e os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação da decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Cuidado em provas!
A concessão da gratuidade afasta, então, o ônus do beneficiário de adiantar todas essas despesas, mas não o livra da obrigação de, ao final do processo, pagar as multas que lhe tenham sido impostas (art. 98, § 4º).
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
(...) § 4o A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
A concessão do benefício pode ser total ou parcial. Assim, permite a lei expressamente que se conceda o direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tenha de adiantar no curso do processo (art. 98, § 6º), bem como a concessão de gratuidade apenas em relação a alguns atos processuais ou a redução percentual (“desconto”) naquilo que tenha de ser adiantado pelo beneficiário (art. 98, § 5º). O requerimento de concessão do benefício pode ser formulado a qualquer tempo (art. 99). Não tendo sido formulado na primeira oportunidade em que o requerente tenha se manifestado nos autos, não suspenderá o andamento do processo (art. 99, caput e § 1º).
Formulado o requerimento por pessoa natural, o juiz só poderá indeferi-lo “se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade”, mas não sem antes “determinar à parte a comprovação do preenchimento dos pressupostos para a concessão” (art. 99, § 2º). Significa isto dizer que, não obstante a existência de presunção legal de hipossuficiência econômica em favor da pessoa natural que afirme não ter condições de arcar com o custo do processo, pode haver nos autos elementos que afastem tal presunção iuris tantum, relativa. Bom exemplo disso se tem em casos nos quais o autor postula a concessão da gratuidade de justiça em processo em que se pretende discutir contratos cujos valores são elevados, especialmente aqueles em que tenha havido financiamento de parcelas de valor elevado por instituições financeiras (afinal, é notório que as instituições financeiras fazem diversas exigências para conceder crédito). Nesses casos, porém, não poderá o juiz indeferir de plano o benefício, devendo – justificadamente – determinar ao requerente que comprove, já que afastada a presunção, não ser capaz de arcar com o custo do processo.
Já no caso de pessoas jurídicas e entes formais, em cujo favor não milita qualquer presunção, é ônus do requerente produzir a prova de que preenche os requisitos para a concessão do benefício. Seja como for, não se pode usar como fundamento para indeferir o benefício o fato de a parte estar assistida por advogado particular, cujo trabalho é presumidamente remunerado (art. 99, § 4o; art. 658 do CC, por força do qual se presume oneroso o mandato outorgado a mandatário para exercício de atividade que constitua seu ofício ou profissão lucrativa). Neste caso, porém, a gratuidade de justiça deferida à parte não alcança a isenção de preparo do recurso formulado com o único objetivo de discutir a fixação dos honorários de sucumbência devidos ao advogado, salvo se este próprio fizer jus ao benefício (art. 99, § 5º).
O direito à gratuidade de justiça é personalíssimo, não se estendendo a litisconsortes ou sucessores do beneficiário, salvo se estes tiverem formulado requerimento e vejam o benefício lhes ser pessoalmente concedido (art. 99, § 6º). Requerida a concessão de gratuidade em recurso, o recorrente não precisa comprovar o recolhimento do preparo, cabendo ao relator apreciar o requerimento. Indeferido este, será fixado prazo para recolhimento das custas (art. 99, § 7º).
Deferido o benefício, poderá a parte contrária oferecer impugnação (na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, em caso de ter sido o requerimento formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de quinze dias).
A impugnação será processada nos próprios autos e não suspende o andamento do processo (art. 100). Incumbe ao impugnante o ônus da prova de que o beneficiário não faz jus ao benefício da gratuidade, não sendo possível revogar-se benefício já concedido ao argumento de que não há provas suficientes de que a gratuidade deveria ter sido deferida. Revogado o beneficio, a parte arcará com as despesas processuais que tenha deixado de adiantar e, caso constatada sua má-fé, pagará multa a ser fixada pelo juiz, cujo valor poderá ser de até o décuplo do valor dessas mesmas despesas, em benefício da Fazenda Pública federal ou estadual (conforme o processo tramite na Justiça Federal ou na Justiça Estadual). O adiantamento das despesas deverá ser promovido, neste caso, em prazo a ser fixado pelo juiz, a contar do trânsito em julgado da decisão que tenha revogado o benefício (art. 102). Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução do mérito se era o demandante o beneficiário, ou, nos demais casos, não se deferirá a realização de qualquer ato ou diligência requerida enquanto não efetuado o depósito (art. 102, parágrafo único).
A decisão que indefere o benefício de gratuidade de justiça e a que a revoga são impugnáveis por agravo de instrumento (art. 101), salvo no caso de constituir capítulo de sentença (caso em que caberá apelação). Tendo sido deferido o benefício apenas parcialmente (como se dá, por exemplo, no caso de se ter requerido a isenção total do ônus de adiantar as despesas e ter sido deferido tão somente uma redução percentual), também se deve admitir o agravo de instrumento contra o pronunciamento judicial em relação à parte não deferida. O recurso contra a decisão não está sujeito a preparo até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso (art. 101, § 1]). Confirmada a denegação ou revogação da gratuidade, o relator ou órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas em cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso. Vencido, ao final do processo, aquele que era beneficiário da gratuidade de justiça, será ele condenado a pagar as despesas processuais (reconhecendo-se, inclusive, seu dever de ressarcir as despesas adiantadas pela parte vencedora) e os honorários de sucumbência (art. 98, § 2º).
Atenção!
O cumprimento dessa condenação, todavia, fica sujeito a condição suspensiva, só podendo ela ser executada se, no prazo de cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão que tenha reconhecido essa obrigação, a situação de insuficiência de recursos tiver deixado de existir (sendo ônus da parte contrária demonstrá-lo). Passado este prazo, as obrigações do beneficiário da gratuidade se extinguem (art. 98, § 3º).
“Humberto Theodoro Junior”
Como regra geral, a parte tem o ônus de custear as despesas das atividades processuais, antecipando-lhe o respectivo pagamento, à medida que o processo realiza sua marcha. Exigir, porém, esse ônus como pressuposto indeclinável de acesso ao processo seria privar os economicamente fracos da tutela jurisdicional do Estado. Daí garantir a Constituição a assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei, assistência essa que também é conhecida como Justiça gratuita (Constituição Federal, art. 5º, inc. LXXIV). Acha-se a assistência judiciária regulada, ordinariamente, pela Lei nº 1.060, de 05.02.1950, parcialmente revogada pelo novo Código (art. 1.072, III, que revogou os arts. 2º, 3º, 4º, caput e §§ 1º a 3º, 6º, 7º, 11, 12 e 17, da Lei), que passou a tratar, expressamente, da gratuidade da Justiça, nos arts. 98 a 102.
Estabelece a legislação nova que a Justiça gratuita pode ser outorgada tanto aos brasileiros como aos estrangeiros aqui residentes, desde que necessitados. Importante destacar que, conforme o grau de necessidade, a assistência judiciária gratuita poderá ser total ou parcial, ou seja, poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais.
Vide: Apostila do Prof. Francisco Saint Clair Neto.
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Bons estudos!